Um dia um filósofo ficou
"cheio" de pensar difícil, de buscar soluções ao nível da
intelectualidade, que exigia leituras complicadas, e resolveu ler algo suave.
Acabou achando algo que o fez decidir transformar em matéria para o "A
Outra Voz" – já que certa vez havia ouvido leitores reclamando da extrema
seriedade do dito jornal e, por isso, sugeriram "matérias descontraídas e inconsequentes".
Eis o achado:
"EU VI UM POLÍCIA com um
pão, um enorme dum pão. Polícia com pão na mão só o Drumond para contar, mas
acho que devia ser proibido, tirar toda a policeidade do homem. Quem carrega um
pão é nossa irmã, tem casa de chegar cansado, umas alminhas sem farda, quem
sabe até um grande gato manso. E os ratos farão ninhos nos coturnos e nada se
compreenderá das pertinências e impertinências morais.
“E um polícia repartindo frango
assado com farofa. Com farofa, meu Deus. Eu estava desedificado. Era como um
cônego namorando uma menina de 15 anos. Foi no trem de Cacequi. O polícia,
glorioso cabo pedro-e-paulo, de revólver, cassetete e ares tais, o polícia
tinha um frango assado e a viagem era longa. O amigo veio, sentou e ele disse:
“– Dá pros dois.
“Um sacrilégio. E mais: durante
o frango, começou a falar de um filme premiado em Cannes, os milhões que dera
pro diretor, era uma comédia e, como dizia o cabo:
“– O povo gosta de quem diverte
ele.
“Findo o frango, a cerveja,
mandou vir ciganos e, alma boa, barriga cheia, desatou os olhos no longe das
coxilhas, fumando azul, sargenteando quem sabe”.
“E ontem ali na esquina do
semáforo. O carrão avançou sem mais o sinal, a faixa molhada, foi aquela
ganição de freios, aquela ganição. Travados os acidentes, a humanidade inteira
voltou-se par o guarda. O guarda primeiro subiu alto nas esperanças do povo, os
coturnos eram pilares do mundo e do apito trombetas do juízo final pendiam.
Depois se veio, passos lentos, lentos, hitchcock, cock, aproximou-se do carro
da vítima e, com aquele ar de besta de quem tem razão, foi dizendo umas coisas
chatas por lógicas e decoradas. O fecho bíblico foi puxar a caneta para anotar
o crime. E não funcionou a caneta. A caneta do guarda não funcionou, amigos
ouvintes. A torcida mexia-se nervosa. A vítima, compungida, ofereceu sua. E não
funcionou a caneta da vítima...".
Daí o filósofo percebeu que a leitura
escolhida não era apenas um passatempo, mas uma forma gostosa encontrada pelo
grande Carlos Morais, em "O Lobisanjo, Vida e Obra", para mostrar o
quanto as pessoas rotulam os semelhantes, apenas pelo fato de pertencerem a uma
instituição que os obriga a usar uma farda, um uniforme...
Então parou de ler, mas ficou refletindo: é por esses rótulos (preconceitos) que poderá até acontecer de os bons ficarem sempre de um lado, acomodados, e os maus ficarem de outro lado atuando nas vagas deixadas por aqueles – tão preocupados em não serem rotulados. Quando, na verdade, deveriam aceitar o desafio de ser diferente, ser esperança... Como aquele policial, que afinal, é humano, sente, sofre... E tem a coragem de desestruturar a concepção de que é possível rotular, condenando a todos de uma instituição que teve e/ou tem elementos contrários ao que é pedido de seus integrantes!
* Publicado no Jornal A Outra Voz, do DCE da Unioeste/Toledo, em setembro de 1990.
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