Os “sem-teto”, isto é, aquelas
pessoas que não possuem condições de comprar casa nem de pagar aluguel, vêm de
outras cidades onde já viviam em situação idêntica, ou na venda do imóvel no
local de origem não conseguiram preço suficiente para comprar outro aonde
chegam. Mas vêm principalmente da
lavoura, onde viviam como “bóia-fria”, meeiros, ou eram donos de pequenas
porções de terras que, vendendo, não rendem o suficiente para começar uma vida
na cidade com casa própria.
Segundo o IBGE, no período de 1970-90, migraram para
as cidades brasileiras cerca de 30 milhões de pessoas oriundas do campo. É o
povo que teve a maior migração da história da humanidade, em menor tempo.
Todo esse êxodo rural dá-se porque os grandes meios de comunicação
fazem o agricultor acreditar que a vida na cidade ser-lhe-á muito melhor que
“na roça”. E, além disso, pelo fato de que houve uma grande concentração de
propriedade de terra e a expansão da mecanização da lavoura, a utilização dos
chamados insumos industriais. Com isso, muitas fazendas que antes utilizavam
muita mão-de-obra na forma de parceria e arrendamento substituíram-na por
máquinas. Assim, esses trabalhadores
foram expulsos da terra, pois não tinham condições de competir com a tecnologia
moderna, que é extremamente cara e só acessível ao rico; além da pressão
exercida pelos grandes fazendeiros, que quando não conseguiam comprar a terra
do pequeno proprietário pelo baixo preço que se propunham a pagar, usavam
ameaça e até a violência física em seu mais alto grau.
Além desses fatos, é preciso considerar todo o processo de apropriação
das terras, que no Brasil ficou restrito a alguns poucos privilegiados que
“desde os primórdios da colonização participaram dessa distribuição desigual.
Primeiro foi as capitanias hereditárias e seus donatários, depois foram as
sesmarias”, o que por si já fez com que muita gente vivesse, desde aqueles
tempos, em situação sempre difícil, sonhando, portanto, em conseguir, um dia,
uma vida melhor.
E a situação dos escravos que “recebiam a liberdade” mas que não tinham
como comprar nem terra nem casa, tendo em vista que “saiam de mãos vazias”, ou
mesmo a chance de obter um emprego, já que este “estava reservado” aos imigrantes
europeus – e mesmo a situação desses últimos, que vinham já devendo ao
“benfeitor” que havia pagado a passagem, e que por isso passavam a trabalhar de
empregados recebendo salários baixíssimos – é exemplo claro e inquestionável de
que muita gente não teve boas oportunidades de adquirir terras. Ao contrário
daqueles citados no parágrafo anterior, que eram nobres, burgueses ou
apadrinhados destes, e que, assim, recebiam de graça ou pagavam valores
simbólicos e ainda se apropriavam de mais espaço além do legalmente adquiridos.
Mas, alem disso existem outros fatores que fazem com que muita gente
não tenha tido as mesmas condições para adquirir terras: são manobras legais
possibilitadas pelas constituições quando limitam a posse da terra mas dão
margens a se conseguir mais “com a autorização do Senado”. Também há que se
levar em conta que “houve estímulo à monocultura da soja e do algodão,
destinados à exportação, e uma redução de cultivos permanentes como o café, e
mais tarde, a implantação do Proálcool, que trouxeram a redução da mão-de-obra
nessas fazendas”. Nos dias de hoje, além das conseqüências dos problemas mais
antigos, temos a pecuária, que a cada dia expande suas cercas para engordar
gado para ser vendido para outros países, que pagam em dólares que servem ao
“pagamento da dívida externa”, bem como várias outras monoculturas de
exportação, que são caros internamente para que ninguém possa comprar e com
isso sobrem para serem exportados a preços quase irrisórios. E como o Governo
só prioriza esse tipo de atividade, que ocupa pouca mão-de-obra e não produz
itens para o consumo interno, os trabalhadores rurais são relegados ao
abandono, e os gêneros para nosso consumo, tanto dos camponeses como dos
“urbanos”, vão ficando mais escassos e mais caros.
Esses fatores, de ordem econômica, e os de ordem social, como a
inviabilidade de migrar para regiões inóspitas, tais como a Amazônia, fizeram
com que a mudança para as cidades fosse a opção de enormes contingentes. E
como, geralmente, quem resolve “sair da roça” e ir para os centros urbanos são
aqueles que vivem mal, dificilmente tais pessoas conseguem chegar à cidade e
comprar casa, pois o máximo realizável é economizar para ter alimentação,
vestuário e transporte até conseguir emprego. O que é difícil, pois vêm sem
nenhuma experiência nos serviços possíveis nas cidades, e se conseguem algum
trabalho, o salário é mínimo, o que não está dando para comprar nem a metade da
comida básica para uma família de quatro pessoas.
E levando em conta estatística do IBGE, referente ao ano de 1996,
publicada na revista VEJA, onde diz que
“no país inteiro
encontram 6.971.532 que
trabalham sem ganhar”, e que Cascavel tem “4.621 famílias
vivendo com renda de até 1/4 de salário mínimo por pessoa, ou R$ 25,00 por mês”, pode-se perceber que um
grande contingente de pessoas, espalhado por todo o país, vive em situação
desesperadora, sem o mínimo de condições de existência que não seja a
mendicância.
1. Para Resolver esse Problema
Assim, a reforma agrária é o
único meio de resolver esse problema, pois “o ‘sem terra’ aspira à terra como
oportunidade de trabalho; como garantia de sobrevivência para ele e para seus
filhos”. E com ela seriam milhões de pessoas voltando para a produção
agropecuária, gerando pelo menos alimentação farta. Além de que, com
organização e apoio de alguém que entenda realmente, poderão ter um padrão de
vida muito bom, como, por exemplo, as regiões aonde “em alguns assentamentos de
sem-terra a renda chega a 3,7 salários mínimos por família em pleno sertão
semi-árido do Nordeste, ou a até 8,7 salários por família”, como disse o líder
catarinense Parafuso, do MST.
2. A Legalidade e Ética da Reforma agrária
Para acontecer a reforma agrária é preciso decisões que são tidas como
impossíveis, como adquirir terra pagando o preço de mercado e à vista. Mas tal
não é necessário, tendo em vista que “muitos juristas famosos consideram que o
latifúndio que não cumpre a função social é não só injusto como ilegal, e
defendem que as ocupações não apenas são justas, mas legais. Elas são uma forma
de colocar em prática o mandato constitucional de realizar a reforma agrária e
fazer com que as terras cumpram sua função social”.
E tal “mandato” diz que “cumpre à União desapropriar por interesse
social, para fins de reforma agrária, o imóvel rural que não esteja cumprindo
sua função social, mediante (...) títulos da dívida agrária (...) resgatáveis
no prazo de até vinte anos, a partir do segundo ano de sua emissão”.
Assim sendo, a União deve e pode fazer a reforma agrária sem poder
alegar inconstitucionalidade ou falta de dinheiro para isto.
Além de que precedentes não faltam, como é o caso de Taiwan, Coréia,
Japão, México, Bolívia e muitos outros países, pois quase todos os da Europa há
muito tempo fizeram reformas agrárias, só depois disso conseguindo grande
desenvolvimento geral.
E é interessante ter em mente que a
terra foi dada por Deus, e Ele não a vendeu a ninguém. Assim, ela é de todos,
tanto que no Antigo Testamento, de cinqüenta em cinqüenta anos toda a terra era
redistribuída, fazendo com que uma pessoa pudesse sentir-se dono da terra por
esse período, mas não acumular por gerações e gerações como hoje ocorre.
O ideal realmente é que todos tenham a terra para trabalhar, mas caso
não esteja usando ou não queira mais trabalhar nela, entregue-a para quem está
sem ou com quantidade insuficiente para si e sua família produzir a própria
existência.
* Material produzido em 2001.
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